Pode confiar na mulher que nunca joga fora o xampu
quando termina. Porque nunca acha que termina.
São vários potes no box do banheiro. Uma milícia de cheiros. A
maior parte com um resto luminoso. Alguns virados para facilitar a saída
desesperada da fragrância. Um homem, diante daquela lágrima de cisne, não
teria piedade e colocaria no lixo. Não sem razão. É uma sobra simbólica
que apenas se mexeria colocando água. Uma massa imóvel, que mal treme. O
conteúdo não presta nem para dois enxágues. Para chorar um pouco no pulso,
depende de tapas na bunda do pote. Todo xampu velho é um bebê nascendo.
Mas ela não descarta. Pensa que aquilo que não perfuma seus
cabelos é ainda capaz de perfumar suas mãos. Permanece com a esperança de
que um dia terá uma emergência e ele será útil. Para seus olhos, nada está
inteiramente morto, nada está inteiramente esgotado. Contribuem para sua
crença as brincadeiras de faz de conta na infância, a sopa de folhas e o
refrigerante de terra. Não depende de muito para seguir vivendo, pede um mínimo
de realidade; acostumada a sempre completar por sua conta. Não existe
paciência, somente fé. Mais da metade de um marido bom é imaginação feminina.
A mulher que não joga o xampu fora não jogará nenhum homem fora.
A menos que ele esteja seco por dentro, acabado, sem nenhuma emoção para
oferecer, consumido pelo silêncio da esponja. Ela eliminará o sujeito de sua
vida após várias tentativas, até se convencer de que ele não rende nem mais
espuma. Nem mais passado.
O que me leva a concluir que quem pensa demais não faz, não se
arrisca, não se entrega. O pré-requisito é criado para impedir que mudanças
aconteçam. É necessário ser imaturo para amar. É necessário ser imaturo
para engravidar. É necessário ser imaturo para juntar as tralhas e pertences,
construir uma casa em comum, e seguir ameaçado pelo humor do próximo.
Merece o amor quem trabalha por ele, quem sofre por ele, quem
não quis ser mais inteligente do que sensível, quem é absolutamente idiota para
sacudir um pote de xampu já findo.
Sobre o autor
Fabrício Carpinejar – Nasceu em Caxias do Sul, escritor, jornalista, mestre
da literatura brasileira formando pela UFRGS, autor de dezenove livros e poeta.
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